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Segurança Eletrônica
Segunda - 28 de Janeiro de 2008 às 16:29
Por: Luiz Celso

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Projeto de Intenções Hostis do governo americano promete intenso uso de tecnologia para coibir terrorismo. Especialistas, no entanto, estão descrentes.O ano é 2012. Assim que você entra no aeroporto, máquinas começam a vigiá-lo. Você é um turista de verdade ou um terrorista se passando por turista?

Os sistemas o avaliam à medida que você responde a algumas perguntas no posto de controle. Um conjunto de sensores -- vídeo, áudio, laser, infravermelho – alimenta um fluxo de dados em tempo real sobre você em um computador que utiliza algoritmos desenvolvidos especialmente para detectar pessoas suspeitas.

O sistema interpreta seus gestos e expressões faciais, analisa sua voz e examina seu corpo virtualmente para verificar a temperatura, o batimento cardíaco, a freqüência respiratória e outros sinais fisiológicos – tudo isso para descobrir se você é um farsante. Se não passar no teste, você será encaminhado a interrogatório e exames mais rigorosos.

Este cenário pode parecer ficção científica, mas o Departamento de Segurança Interna (Department of Homeland Security -- DHS) dos Estados Unidos arregaçou as mangas para transformá-lo em realidade.

O interesse pelo que os pesquisadores definem como “traçar o perfil comportamental” (e o DHS prefere chamar de “avaliar comportamentos culturalmente neutros”) para detectar farsas aumentou em julho do ano passado, quando a divisão de fatores humanos do departamento pediu a pesquisadores que desenvolvessem tecnologias para suportar o Projeto de Intenções Hostis (Project Hostile Intent), dedicado a criar sistemas que identificam e analisam automaticamente indícios comportamentais e físicos associados a logros.

Este projeto faz parte de uma iniciativa mais ampla, a Future Attribute Screening Technologies Mobile Module, voltada à criação de sistemas de varredura automatizados que sejam independentes, portáveis e relativamente fáceis de implementar.

O DHS tem planos agressivos para esta tecnologia. De acordo com o cronograma, uma demonstração inicial para a Administração de Segurança de Transportes (TSA, da sigla em inglês) será realizada no início deste ano, seguida por implementações de teste em 2010. Se tudo der certo, em 2012 o órgão pretende instalar sistemas de teste automatizados em aeroportos, postos de fiscalização de fronteira e outros pontos de entrada.

Caso seja bem-sucedida, a tecnologia também poderá ser usada em áreas do setor privado, como controle de acesso a prédios e exame de candidatos a emprego. Os críticos, porém, dizem que o sistema levará muito mais tempo para ser desenvolvido do que prevê o departamento – e que talvez nunca chegue a funcionar.

Nos detalhes
“É uma boa idéia repleta de dificuldades”, define Bruce Schneier, chief technology officer (CTO) da empresa consultoria em segurança BT Counterpane.
Para Schneier, tentar detectar pessoas suspeitas é melhor do que tentar detectar objetos suspeitos. Os magnetômetros de detecção de metais que os scanners de aeroportos utilizam há mais de 30 anos são burlados facilmente.

A tecnologia necessária para que o Projeto de Intenções Hostis tenha êxito, no entanto, está a pelos menos 15 anos de distância, acredita Schneider. “Ainda nem fazemos reconhecimento facial”, justifica. “Não se entusiasme.”

Para Sharla Rausch, diretora da divisão de fatores humanos do DHS, o órgão já está obtendo resultados positivos. Em um ambiente de laboratório controlado, as taxas de precisão ficam na faixa de 78 a 81%. Os testes, entretanto, ainda produzem muitos falsos positivos.

“Em um ambiente operacional, precisamos ter um nível mais alto”, admite Rausch. Ela está confiante que os resultados vão melhorar, mas, por enquanto, o desempenho dos sistemas em ambientes do mundo real ainda não está claro.

Medindo as intenções hostis
A pesquisa atual se concentra em três áreas principais. A primeira é o reconhecimento de gestos e das chamadas “microexpressões faciais” que se manifestam no rosto de uma pessoa em cerca de um terço de um segundo. Alguns pesquisadores dizem que as microexpressões podem denunciar uma pessoa quando ela está tentando enganar.

A segunda área é a análise de variações na fala – altura e intensidade – como indícios de falsidade. A terceira é a medição de características fisiológicas como pressão sangüínea, pulso, umidade da pele e respiração, que foram associadas aos polígrafos (detectores de mentira).

Ao combinar os resultados de todas estas modalidades, o DHS espera melhorar a taxa de precisão preditiva geral proporcionada pelo polígrafo ou qualquer outro meio de testar um indício individual.

Não é uma meta impossível. A validez dos polígrafos é questionada por cientistas há tempos e, apesar de décadas de pesquisa e aperfeiçoamento, os resultados que produzem continuam inaceitáveis nos tribunais.

Enquanto a Defense Academy for Credibility Assessment (DACA, ex- Polygraph Institute) do Departamento de Defesa norte-americano coloca a porcentagem média de precisão dos polígrafos na faixa dos 80% quando bem gerenciados, outros dizem que número está mais perto dos 50% no mundo real e que os resultados dependem muito da habilidade do examinador.

Schneier vai ainda mais longe, dizendo que os detectores de mentira se apóiam em tecnologia “fake” que só funciona nos filmes. Eles só continuam em uso porque as pessoas querem que funcionem.

Ainda não foi comprovada a pressuposição de que combinar os resultados preditivos destas três áreas que estão sendo estudadas aumentará a precisão. “Não encontramos nenhum indício de que a coisa toda está sendo combinada na pesquisa atual. A sensação é de que o DHS está realizando trabalho pioneiro”, afirma Rausch.

Ouvindo mentiras
Muitos pesquisadores já estão abordando diversas peças do quebra-cabeça do Projeto de Intenções Hostis. Julia Hirschberg, professora de ciência da computação da Universidade de Colúmbia, está investigando como detectar farsas através de características da fala que variam quando alguém está mentindo. A pesquisa, patrocinada pelo DHS, identificou 250 “características acústicas, de entonação e léxicas” que podem apontar quando alguém não está falando verdade.

Até agora, a melhor taxa de precisão é 67%. Hirschberg admite que “não é ótimo”, mas é melhor do que a simples observação humana.

Entretanto, os resultados talvez não se apliquem a situações do mundo real. O trabalho de Hirschberg se baseia em experimentos de laboratório nos quais um indivíduo aperta um pedal quando está mentindo e sistemas de aprendizagem de máquina processam os resultados. “Não é o ideal”, reconhece.

Além do mais, a taxa de precisão na identificação de farsas varia de acordo com o background cultural e o tipo de personalidade do indivíduo analisado. Hirschberg identificou quatro ou cinco tipos de personalidade que podem afetar o modo como os resultados devem ser interpretados.

A adequação ao tipo de personalidade aumentaria a precisão nos casos em que ele pode ser identificado, mas é questionável se os entrevistadores em aeroportos ou postos de fronteira terão a percepção necessária para fazê-lo.

Dimitris Metaxas, professor de ciência da computação em engenharia biomédica na Universidade Rutgers, obteve financiamento do DHS e da DACA para usar a tecnologia para rastrear e interpretar o significado de microexpressões e gestos. “Estou tentando descobrir as expressões e os movimentos corporais que não são normais e podem estar associados a uma farsa.”

A pesquisa de Metaxas aborda movimentos das sobrancelhas e da boca e gesticulação com a cabeça e os ombros. Os indícios exatos que lhe interessam são mantidos em segredo. Rausch, do DHS, acredita que as microexpressões são involuntárias, mas, por segurança, ela não quer que as pessoas saibam exatamente quais serão avaliadas pelo departamento. “Todo sistema pode ser violado”, observa Metaxas.

Objeções e obstáculos
Os céticos profetizam que nenhum sistema baseado em tecnologia vai funcionar. O Ekman Group treinou a equipe da TSA em técnicas para ajudar a reconhecer e interpretar microexpressões. A consultoria foi fundada por Paul Ekman, pioneiro em pesquisa que associa microexpressões a fraudes.

Na TSA, os profissionais treinados utilizam as técnicas como parte do um programa de inspeção de passageiros através de técnicas de observação (Screening Passengers Through Observation Techniques).

John Yuille, diretor do Ekman Group, não acredita que a técnica possa ser automatizada. A disciplina é uma “ciência social” e as microexpressões são simplesmente “pistas para a honestidade” que requerem interpretação humana. “Nossa metodologia não é receptiva a intervenção tecnológica”, diz.

No momento, o que está retardando Metaxas não é a tecnologia. Ele conta que já resolveu o problema da tecnologia básica para rastrear a face e atingiu uma taxa de precisão de 70% a 80% com câmeras posicionadas à distância de até 2,7 metros.

O desafio é otimizar os algoritmos que correlacionam estas expressões à fraude. Para isso, são necessários mais dados fornecidos por psicólogos. As teorias que correlacionam microexpressões a fraudes são largamente baseadas em pesquisa acadêmica. Embora tenham sido testadas em ambiente de laboratório, não foram cientificamente provadas em larga escala em estudos do mundo real.

Regras também têm que ser aplicadas no contexto certo. Uma medição de algo como uma micro expressão, por exemplo, tem que ser associada ao que está sendo dito no momento, e o significado do que foi dito tem que ser interpretado corretamente, alerta Hirschberg. Além disso, o sistema tem que determinar se existe alguma divergência entre uma expressão ou gesto específico e o que foi dito.

“É muito difícil um computador fazer isso”, diz ela. No laboratório, este trabalho de correspondência foi feito manualmente.

Para refinar o algoritmo, Metaxas contou com a colaboração de Judee Burgoon, professora de comunicação, estudos da família e desenvolvimento da Universidade do Arizona. A falta de uma pesquisa rigorosa que valide o uso de microexpressões como indícios de farsa faz com que todo mundo dê uma meia trava, segundo Burgoon. Não se sabe se as microexpressões correspondem a emoções subjacentes ou se estes estados emocionais correspondem a farsas.

Microexpressões são tidas como involuntárias, mas não está claro se as pessoas conseguiriam “jogar com o sistema”, como fizeram com os polígrafos. E muitos pesquisadores em campo acreditam que os indícios de logro são “culturalmente dependentes”.

Isto é, uma análise que não leva em conta o background cultural pode equivaler a um perfil técnico, e não comportamental. É uma ironia, já que o uso de máquinas para analisar dados, supostamente, ajudaria a eliminar preconceitos associados a uma tomada de decisão humana.

O desenvolvimento de indícios “culturalmente neutros” é uma meta declarada do Projeto de Intenções Hostis. Rausch acredita que pesquisadores são capazes de identificar microexpressões e outros indícios universais ou “multiculturais”. Isso não acontecerá a tempo para os sistemas de teste iniciais, mas em 2011 o DHS deverá ter sistemas de teste baseados apenas em indícios culturalmente neutros.

O desafio de Metaxas agora é provar que as pressuposições fundamentais que correlacionam microexpressões a fraude são corretas. “Espero poder validar e verificar a psicologia.”

Para tanto, ele precisa conduzir mais testes envolvendo entrevistas em situações do mundo real. Não será fácil. Preocupações com privacidade e segurança impediram Metaxas e outros pesquisadores de monitorar interrogatórios ou realizar entrevistas em ambientes do mundo real como aeroportos ou postos de imigração. Até o DHS enfrenta obstáculos para testar a tecnologia em campo, admite Rausch. E em testes no mundo real, argumenta Hirshberg, há outro problema: “Você não sabe realmente quando a pessoa está mentindo”.

Com um cronograma de implementação agressivo, Rausch tem consciência dos desafios e avisa que falta muito para que a tecnologia esteja completa. “Ainda nos encontramos em um estágio básico de pesquisa.”.

Além das intenções hostis
O Projeto de Intenções Hostis é apenas um dos programas em que a divisão de fatores humanos do DHS está engajada. Um outro é a modelagem de intenções violentas. Ao aplicar a teoria do comportamento social ao terrorismo, a divisão espera ajudar os analistas que precisam vasculhar manualmente milhares de publicações, feeds de notícias e outros dados.

Os pesquisadores estão desenvolvendo indicadores de um potencial comportamento violento, utilizados em frameworks arquiteturais computadorizados que ajudam os analistas a extrair dados relevantes à medida que analisam os documentos. “Os computadores auxiliam a processar os modelos. Ao reunir os dados, você obtém coeficientes de probabilidade de comportamento violento. Nossa meta é automatizar isso para os analistas”, revela Rausch.

As “ferramentas de extração de informação” vão auxiliar os analistas identificando informação importante à medida que a lêem, mas não vão substituir os analistas. “Estamos fazendo de uma maneira coerente com o modo de pensar dos analistas”, diz Rausch.

Outra área de desenvolvimento é a biometria. A pesquisa é focada em desenvolver leitoras móveis capazes de realizar reconhecimento facial, de impressões digitais e da íris. Com o passar dos anos, teremos sensores biométricos remotos e reconhecimento de impressão digital mais sofisticado, dos 10 dedos, diz Rausch. Os sistemas vão acessar vastos bancos de dados para identificação e verificação.

Outras tecnologias da TSA
A TSA poderá usar sistemas para traçar o perfil comportamental oriundos do Projeto de Intenções Hostis, mas isso é só uma parte da estratégia de segurança de transporte do órgão. A abordagem em camadas inclui um fator de tecnologia, um fator humano e inteligência compartilhada.

A tecnologia de varredura de passageiros da TSA não mudou desde o lançamento do magnetômetro, um detector de metal, em 1973, mas está funcionando em outros sistemas, incluindo um de raio X avançado. O sistema de raio X de alta resolução fornece imagens mais claras e vários ângulos de visão do conteúdo da bagagem de mão. As máquinas já são amplamente utilizadas na Europa. A TSA já comprou 250 e planeja ter um total de 500 instaladas até o fim de 2008.

Esta é apenas uma fração dos 751 pontos de controle e das 2 mil pistas em operação, mas 500 máquinas são suficientes para cobrir 75% das pistas dos maiores aeroportos dos Estados Unidos e o equivalente a 45% de todos os viajantes.

Outra tecnologia é a máquina de aspergir. O indivíduo entra em uma espécie de cabine telefônica e uma porta dupla translúcida se fecha ao seu redor. A máquina, então, joga sobre ele uma rajada de ar comprimido e o analisa em busca de vestígios de explosivos. A máquina está sendo testada am alguns aeroportos, mas não funcionou bem. “É legal, mas creio que iremos mais na direção da imagem de corpo inteiro”, diz um porta-voz.

No sistema de imagem de corpo inteiro, o indivíduo entra em uma máquina que o bombardeia com energia de freqüência de rádio, criando uma imagem muito precisa do seu corpo – talvez precisa até demais – para detectar objetos estranhos. “Há muitos problemas de privacidade envolvidos”, reconhece o porta-voz.

A TSA está testando duas tecnologias: “radiação retroespalhada”, que usa um algoritmo de privacidade para transformar a imagem em uma espécie de contorno de giz do corpo; e “onda milimétrica”, que cria o semelhante a um negativo.

Para resolver os problemas de privacidade, as imagens faciais são borradas, e as imagens não são armazenadas. Além disso, o funcionário que vê o passageiro nunca vê as imagens.

As máquinas já são utilizadas em Fênix, onde os passageiros podem optar por serem apalpados, e em breve estarão nos aeroportos internacionais John F. Kennedy e de Los Angeles. “Teremos mais imagem de corpo inteiro em 2008”, afirma um porta-voz.

Advertências e questões éticas
Mesmo que o Projeto de Intenções Hostis tenha êxito, não será uma panacéia para impedir o terrorismo, avisa Schneier. O risco pode ser reduzido, mas não eliminado. “Se tivéssemos segurança perfeita nos aeroportos, os terroristas bombardeariam shopping centers”, diz. “Você nunca estará seguro defendendo os alvos.”

Além disso, presumindo que o sistema decole, o Projeto de Intenções Hostis enfrentará a oposição dos defensores da privacidade.

Embora o sistema use sensores remotos fisicamente não invasivos e não haja planos de armazenar a informação, o volume de dados pessoais que seriam coletados preocupa os defensores da privacidade, assim como a possibilidade de falsos positivos.

“Não pegaremos nenhum terrorista, mas muitos inocentes, principalmente minorias raciais e étnicas, cairão em uma teia de suspeita”, ressalta Barry Steinhardt, diretor do Projeto de Tecnologia e Liberdade da União Americana pelas Liberdades Civis.

Mas Steinhardt não está muito preocupado. Ele classifica o Projeto de Intenções Hostis como a mais nova de uma série de iniciativas caras e fracassadas do DHS e da TSA. “Já fiz centenas de entrevistas sobre estes esquemas de exame de passageiros de companhias de aviação”, diz. “Nunca funcionaram.”

Centenas de bilhões de dólares foram desperdiçados em iniciativas deste tipo desde os atentados de 11 de setembro, acrescenta Steinhardt. “Me mostre que funcionam antes de debatermos as conseqüências para as liberdades civis.”


Fonte: COMPUTERWORLD




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